quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Monte Castelo: em três atos

Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

por Inaldo da Paixão Santos Araújo(*)


A citação em epígrafe é a primeira estrofe da canção Monte Castelo, de Renato Russo, que compreende uma feliz adaptação da Carta aos Coríntios do maior anunciador do cristianismo, São Paulo, o “Apóstolo”, e do Soneto 11 de Luís de Camões, maior poeta da língua portuguesa, e fala da importância do amor, do amor entre os homens.

Monte Castello é o nome de uma pequena elevação de terra situada a 61,3 km a sudoeste de Bolonha, Itália, palco de uma das batalhas da Segunda Guerra Mundial.

Como conta a história, a Batalha de Monte Castello, travada durante três meses ao final da guerra, objetivava possibilitar o avanço dos aliados no Norte da Itália e marcou a presença da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no conflito, e onde, como em todas as guerras, seres humanos morreram.

Monte Castelo também é o nome de um município brasileiro do Estado de São Paulo, com população, em 2009, de aproximadamente 4.000 habitantes. Conforme dados da Fundação Seade , Monte Castelo tem 259 crianças com até 5 anos de idade.

Essa pequena cidade tornou-se notícia, pois seu prefeito foi flagrado pelas câmaras do Jornal Nacional, da Rede Globo, cobrando “propina” de uma empreiteira contratada para construir uma creche orçada em R$1 milhão, com financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Governo Federal.

Segundo a matéria veiculada, o valor previsto para ser investido na creche corresponde a um terço do que o município recebe do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é de R$3,472 milhões.

Indignada, uma moradora da cidade, Ana Maria Polidoro, resumiu: “Ele queria ser santo, vivia na igreja, mas de santo ele não tem nada”.

Outra moradora, Poliana Freitas Almeida da Silva, também revoltada, frisou: “Nem eu nem nenhum morador aqui de Monte Castelo vai aceitar ele lá dentro, porque corrupção é a pior coisa que tem no mundo.”

Para aludir, de forma antagônica, a um ato de desamor da humanidade, que é a guerra, Renato Russo denominou seu poema que fala do amor, de Monte Castelo.

Sem dúvida foi uma grande sacada do compositor, pois a guerra, que corrompe povos e nações, mesmo quando necessária é inútil e sempre foi uma tola ação da fragilidade humana. Na sua ocorrência, não há vencidos, nem vencedores. Todos perdem e sua primeira vítima, como o bem disse Boake Caster, é a verdade.

O poeta, considerado o maior compositor do rock brasileiro, também de forma inteligente, criticou duramente a corrupção no Brasil, quando na sua composição “Que País é Este?” nos lembra que “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a constituição ...”

O que leva um servidor público a tirar leite e merenda escolar de crianças, pagar por serviços não realizados, permitir que aposentados morram nas filas, que doentes não sejam atendidos, superfaturar a compra de ambulâncias e a realização de obras, entre outros inúmeros exemplos de corrupção nas cidades, é a falta de “verdade, vergonha e honra”, somente para utilizar trechos do poema Epílogos, do poeta baiano Gregório de Matos e Guerra.

Mas, de igual modo, porém sem a mesma verve poética, posso afirmar que o que faz imperar a corrupção é a falta de ética, de moral, de controle e, por que não dizer, de amor. De amor pelos homens e pela coisa pública.

Não é objeto deste artigo adentrar nas questões filosóficas que envolvem a ética, a moral. Entretanto, todo ser racional, independentemente da norma positivada, sabe o que é pecado, sabe que matar é errado, roubar é errado. Sabe o que é praticar o bem, ser justo, agir corretamente, observar princípios, agir honestamente, dar a cada um o que é seu, ter moral, ser ético.

Todavia, como os homens são frágeis e pecam, necessário se faz que, cada vez mais, a administração pública possua melhores instrumentos de controle (externo, interno e social), além de punições mais severas e tempestivas.

Por tudo isso, precisamos lutar – todos – para o aprimoramento da gestão pública. Precisamos cobrar ações mais concretas que assegurem a transparência das contas públicas, a melhoria de controles, com instituições fiscalizadoras internas e externas que desempenhem suas tarefas objetiva e eficazmente de forma “independente e protegidas contra influências de qualquer natureza” e que garantam a racionalização dos gastos públicos.

Ao escrever este artigo, mesmo de forma modesta, tento “combater o bom combate” e fazer a minha parte como servidor público e cidadão.

Às vezes, confesso, sinto-me cansado da luta, mas quando reflito sobre os dizeres das mulheres de Monte Castelo, vejo que há esperanças, pois não perdemos, ainda, a capacidade de nos indignarmos.

Ainda não perdemos, portanto, a capacidade de amar. Se houve guerra em Monte Castello e se há corrupção em Monte Castelo, o principal motivo é justamente a falta de senso de justiça e de amor, pois “se eu falasse a língua dos homens, e falasse a língua dos anjos”, sem ele – o amor – eu nada seria, eu nada diria, eu nada teria ... eu nada valeria.


* Inaldo da Paixão Santos Araújo - Mestre em Contabilidade. Auditor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Professor universitário. Escritor de livros de contabilidade e de auditoria.

Fonte: Jornal ATARDE, 26.11.2009, p. 3

0 comentários: