quarta-feira, 16 de junho de 2010

Auditoria brasileira: falhas vista pelo PCAOB

Inspetores americanos encontram "falhas" em auditoria feita no Brasil
Por Nelson Niero, de São Paulo
10/06/2010

Contabilidade: Deloitte, uma das quatro maiores firmas do setor no mundo, contesta as conclusões.

Especialistas americanos identificaram "falhas" em trabalhos de auditoria feitos pela Deloitte no Brasil. A firma, uma das chamadas "quatro grandes" do setor de contabilidade no mundo, contestou as observações.

O Conselho de Supervisão de Contabilidade de Companhias Abertas (PCAOB, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, divulgou na semana passado o relatório sobre a inspeção que fez, entre maio e junho de 2007, na operação brasileira da Deloitte, a segunda maior firma global de auditoria e consultoria por faturamento.

É a primeira inspeção feita no Brasil divulgada pelo órgão, que foi criado pela Lei Sarbanes-Oxley, de 2002, depois dos escândalos empresariais do início da década. As outras grandes - PwC, KPMG e Ernst & Young - também foram avaliadas, mas os resultados ainda não foram divulgados.

O relatório sobre a Deloitte diz que foram encontradas "deficiências" nos dois trabalhos de auditoria que foram avaliados. O nome das empresas não é revelado.

As falhas, segundo o documento, foram significativas a ponto de a equipe do PCAOB concluir que "a firma não obteve evidências suficientes para dar base à sua opinião sobre as demonstrações financeiras [das empresas auditadas]".

A resposta da Deloitte, em carta do então sócio Francisco Papellás Filho, diz que o parecer é dado para as demonstrações financeiras "como um todo", o que não teria sido levando em consideração.

Uma das falhas apontadas refere-se à classificação, na demonstração de resultados, de um desconto dado pela companhia auditada a um fornecedor. O débito estava na rubrica "despesas operacionais", mas a equipe do PCAOB considerou que o valor deveria ter constado como uma dedução da receita de vendas.

A mudança, que não alterou o resultado, "não foi relevante, apenas uma questão de apresentação", disse Maurício Pires Resende, sócio da Deloitte responsável por questões regulatórias. Ainda assim, a empresa decidiu republicar o balanço daquele ano.

Outra questão levantada pelo PCAOB diz respeito à "incapacidade de executar procedimentos de auditoria suficientes para examinar a adequação de um passivo contingente". Segundo a Deloitte o assunto está relacionados a passivos trabalhistas de uma empresa que passava por uma reestruturação depois de uma fusão. "Naquela situação, a provisão feita era suficiente", afirmou Resende. O entendimento do órgão americano era de que deveria ter sido feita uma análise mais extensa e detalhada.

"É um caso julgamento profissional", disse José Roberto Carneiro, sócio da Deloitte responsável pela área de auditoria. "O julgamento foi muito severo."

Carneiro ressalva, no entanto, que esse é o trabalho dos reguladores e que sempre haverá discordâncias. "A Deloitte apoia o trabalho do PCAOB."

O órgão privado americano examina todas as firmas de auditoria cujos clientes tenham papéis negociados no mercado americano. De 2005 a 2008, o PCAOB fez 128 inspeções fora dos Estados Unidos, num total de 26 países.

Apenas partes dos relatórios são abertas ao público. Uma parcela "substancial" do documento, especialmente a que se refere às críticas ao sistema de controle de qualidade, é mantida em sigilo, a não ser que a firma não consiga reparar os erros encontrados.

CVM move dois processos sancionadores contra KPMG

Fernando Torres, de São Paulo
10/06/2010

Dois processos administrativos sancionadores contra a KPMG Auditores Independentes estão em fase final de tramitação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As investigações decorrem da discordância do órgão regulador em relação a pareceres apresentados pela empresa, um envolvendo a Perdigão e outro relativo a dois fundos de recebíveis do Cruzeiro do Sul.

A auditoria foi procurada para comentar as acusações e divulgou a seguinte nota: "A KPMG no Brasil reafirma o respeito ao posicionamento da CVM e também sua convicção sobre a correção técnica dos trabalhos realizados." A empresa disse ainda que não poderia comentar os detalhes dos casos, porque as regras da profissão impedem que a firma se manifeste sobre processos em andamento.

No caso da Perdigão, que se tornou BRF Brasil Foods após fusão com a Sadia, o processo foi aberto após a publicação do balanço do segundo trimestre de 2008 pela companhia.

Na ocasião, a empresa de alimentos decidiu amortizar integralmente o ágio referente à aquisição da Eleva e da Batávia, no valor de R$ 1,5 bilhões, todo de uma vez, e não ao longo de alguns anos, conforme a proporção dos resultados esperados. O efeito líquido no resultado do trimestre foi negativo em R$ 984 milhões.

Depois de manifestação da CVM contra essa amortização antecipada, em março de 2009 a Perdigão republicou o balanço, estornando o valor amortizado.

A CVM acusa a KPMG e os auditores responsáveis de não terem feito uma ressalva no seu parecer por conta disso. O Valor não conseguiu ter acesso ao primeiro parecer publicado, mas com base no conteúdo do segundo é possível concluir que a auditoria teria incluído apenas uma parágrafo de ênfase, o que é menos problemático na "escala gravidade" dos auditores.

Em relação ao outro processo, sobre dois fundos de recebíveis ligados ao banco Cruzeiro do Sul, não é possível saber o motivo da acusação, apenas que ela também tem a ver com uma suposta irregularidade nos pareceres.

A venda de uma carteira de recebíveis para um desses fundos, o FIDC BCSul Verax Multicred Financeiro, levou o Cruzeiro do Sul a republicar, no início deste ano, os balanços consolidados referentes a 2008 e 2009.

Tendo em conta que o banco tinha quase 100% das cotas do fundo, a CVM obrigou o Cruzeiro do Sul a consolidar o FIDC dentro do seu balanço, o que eliminou o ganho que havia sido registrado com a venda de recebíveis para ele. A KPMG fez tanto a auditoria do fundo como a do banco. Nada mudou no balanço enviado pelo Cruzeiro do Sul ao Banco Central.


Avança projeto de órgão de supervisão brasileiro
Até o fim deste ano deve haver um desenho inicial de uma proposta para a criação de um órgão brasileiro de supervisão do trabalho dos auditores, que funcionaria de forma semelhante ao americano PCAOB.

Os estudos iniciais sobre um órgão desse tipo, que estaria focado no controle de qualidade do trabalho dos auditores, estão sendo conduzidos em conjunto pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

"Estamos neste momento na fase de começar a botar as nossas ideias no papel. Até o fim do ano devemos ter algo mais concreto", disse Ana María Elorrieta, presidente Ibracon, que esteve ontem no 2º Seminário Brasileiro de Auditoria Independente, organizado pelo próprio Ibracon e pelo CFC.

Um órgão de supervisão como o PCAOB tem em seu quadro não apenas auditores, como também pessoas com experiência em órgãos reguladores, advogados e membros de comitês de auditorias de companhias abertas.

Na época da primeira rodada de fiscalização no Brasil, por exemplo, o presidente do PCAOB era Mark Olson, que deixou o cargo no ano passado. Antes de assumir o comando do órgão de supervisão, Olson havia trabalhado por cerca de cinco anos no Federal Reserve, banco central americano, e feito carreira na firma de auditoria Ernst & Young.

O atual presidente do PCAOB, Daniel Goelzer, trabalhou por quase de 30 anos na Securities and Exchange Commission (SEC) e seus três companheiros de conselho têm experiência em advocacia e assessoria parlamentar.

O PCAOB foi criado nos Estados Unidos em 2002, após a edição da lei Sarbanes-Oxley, que foi uma consequência dos escândalos contábeis envolvendo as então gigantes Enron e WorldCom.

O órgão é uma entidade privada, sem fins lucrativos, e que tem como objetivo fiscalizar o trabalho de auditores de companhias abertas, com o intuito de melhorar a qualidade e proteger os investidores e a sociedade.

Uma das medidas que passa a valer a partir de 2011, por exemplo, é que as firmas de auditoria americanas terão que apresentar o balanço delas próprias em caráter confidencial ao PCAOB.

Recentemente, a Iosco, entidade que reúne as comissões de valores mobiliários de todo o mundo, colocou em consulta pública uma proposta com ideias para melhorar a qualidade do trabalho de auditoria. A assembleia anual do órgão está ocorrendo nesta semana no Canadá, mas nenhuma decisão foi divulgada. (FT)

Fonte: Valor Econômico, via FENACON

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