Por Márcio G. P. Garcia 17/09/2010, Valor Econômico - via FENACON
Há quatro semanas, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fizeram uma exposição conjunta para justificar os empréstimos subsidiados de R$ 180 bilhões do Tesouro ao banco. Há que se louvar a iniciativa. Como fui um dos muitos que haviam clamado por tais explicações, gostaria de comentar a apresentação que foi feita sob o título "Benefícios dos empréstimos do Tesouro ao BNDES".
Não se pode dizer que o título é impreciso. De fato, a apresentação trata apenas dos benefícios dos empréstimos. Como não estima seus custos, não pode ser considerada uma avaliação séria dos empréstimos subsidiados. O que foi alegado na imprensa é que a estimativa dos custos exigiria a "advinhação" da taxa Selic em anos futuros. Estranha justificativa, pois é praxe em análises custo-benefício, nas quais o BNDES tem grande expertise, realizar estimativas do comportamento futuro de variáveis econômicas e financeiras, levando em conta diferentes cenários.
A alegação torna-se ainda menos defensável quando, para criticar "uma conta simplista", é apresentado um gráfico com três cenários futuros da diferença entre a Selic e a TJLP. Afinal, com tais cenários, pode-se estimar o custo fiscal dos empréstimos. Todos os cenários preveem equalização da Selic com a TJLP: o mais otimista em 2016, o intermediário em 2018, e o terceiro em 2020. Seria interessante que fossem divulgadas as trajetórias das duas taxas, TJLP e Selic, e não só da diferença entre ambas. Não obstante, supondo-se que não se venha a aumentar a TJLP de seu atual patamar de 6%, conclui-se que a Selic convergiria para 6%, ou menos, entre 2016 e 2020. Mantida a atual meta para a inflação de 4,5%, isso implicaria taxa de juros real de equilíbrio (taxa neutra) de 1,5%, inferior até a dos EUA, hipótese altamente improvável. Portanto, dos cenários apresentados, depreende-se que as autoridades econômicas pretendem ou aumentar a TJLP ou reduzir a meta para inflação, variáveis sobre as quais têm controle. Ainda assim, não é provável que a taxa real de juros de equilíbrio, uma variável fora do controle das autoridades econômicas, tenha comportamento tão rapidamente declinante, como o suposto na apresentação, mesmo sendo tal trajetória muito desejável.
Para projetos com benefícios sociais não diretamente mensuráveis por variáveis financeiras, como os que são normalmente financiados pelo BNDES, a quantificação dos custos é a parte mais simples; difícil é quantificar o benefício não financeiro. Não obstante, apesar de ter havido insuperável resistência a mensurar os custos, aparentemente não se encontraram maiores dificuldades na estimação dos benefícios dos empréstimos.
Segundo o documento são três os benefícios: lucros adicionais ao BNDES; aumentos do investimento, do PIB e dos impostos; e aumento da capacidade produtiva. Supõe-se que, não fossem os recursos do Tesouro, os investimentos financiados teriam sido totalmente abandonados em 2009 e parcialmente cancelados em 2010. Os desembolsos foram de R$ 84,5 bilhões em 2009 e, estima-se, de R$ 95,5 bilhões em 2010.
Conquanto os financiamentos do BNDES, bem como os dos demais bancos públicos, tenham sido fundamentais para a manutenção do crédito no auge da crise, é pouco razoável supor que os empréstimos subsidiados do BNDES tenham sido condição "sine qua non" para a realização de todos os investimentos financiados pelo BNDES depois do fim da crise. Qualquer empresário que tenha acesso aos recursos do BNDES prefere tomá-los por serem mais baratos. Daí a não realizar o investimento se não conseguir os recursos subsidiados há uma grande distância. É importante, para a qualidade do debate, que haja um maior esforço por parte do governo em mensurar adequadamente o papel do BNDES no investimento do país.
Também segundo relatos da imprensa, durante a apresentação, o ministro da Fazenda assegurou que seriam buscados mecanismos alternativos aos empréstimos do Tesouro ao BNDES. Esta semana, contudo, descobriu-se que o BNDES teria solicitado ao Tesouro mais R$ 60 bilhões para o ano que vem (OESP, 12/9/2010), quando, ao que se saiba, o país não estará exatamente em crise.
É verdade que o sistema financeiro privado ainda não provê adequadamente recursos de longo prazo para o investimento produtivo e que o BNDES seguirá cumprindo importante papel. Mas, para que o país possa atingir o crescimento sustentado, é necessário que o sistema financeiro privado aumente sua participação, não que ela diminua. É equivocada a visão de que o BNDES deva continuar expandindo fortemente seus empréstimos.
É igualmente importante constatar que, caso o Tesouro continue a repassar ao BNDES centenas de bilhões de reais em empréstimos subsidiados, estará contribuindo para elevar em muito o risco fiscal. Especialmente quando se sabe que o Tesouro está engajado em perigosa contabilidade criativa para escamotear o rombo fiscal que vem sendo gerado. Por exemplo, o BNDES apura seus lucros com base nos empréstimos subsidiados e transfere dividendos ao Tesouro, melhorando o superávit primário. Com os empréstimos subsidiados, o BNDES já comprou receitas futuras da Eletrobrás, também aumentando o superávit primário.
Semana passada, foi divulgado que o investimento do BNDES na capitalização da Petrobras será contabilizado como receita extra da União, também ajudando a cumprir a meta fiscal deste ano. Onde tal sequência de atentados às nossas contas públicas vai parar? Não bastou o exemplo da Grécia como lição de quão imprudente é o caminho da contabilidade criativa? Ainda que a dívida líquida apresente tendência de queda, o risco fiscal está aumentando significativamente. O que ora se faz para encobrir o não cumprimento da meta de superávit primário não difere essencialmente do que se fez, em 1973, durante a ditadura, para esconder o aumento da inflação.
Repito que, ao contrário do que está sendo feito, é preciso que os repasses do Tesouro Nacional ao BNDES, bem como os subsídios e riscos implícitos nos mesmos, fiquem bem explicitados e entrem de forma inequívoca no orçamento da União para que a sociedade civil possa avaliar programas desse tipo, exercendo pressões legítimas sobre o Executivo e o Legislativo. Esse é o arranjo correto em uma sociedade democrática.
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras (/www.econ.puc-rio.br/mgarcia) - Grifos nossos
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