SUSTAÇÃO DE OBRA PÚBLICA X SERÁ QUE PRECISAMOS REDEFINIR O PAPEL DO CONTROLE EXTERNO?
O pronunciamento do Presidente da República sobre a interrupção das obras do PAC por irregularidades constatadas em auditoria do Tribunal de Contas da União remete este blog para algumas reflexões.
Numa retrospectiva histórica é possível verificar que no Brasil as instituições superiores de controle têm origem em duas preocupações diferentes:
a) primeiro, na preocupação gerencial de administrar bem os recursos públicos;
b) segundo na preocupação de servir de freio ao Poder Executivo.
A primeira tem origem nos sistemas de controle interno implementados pelos titulares de cada um dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) nos termos do artigo 70 da Constituição Federal. A segunda decorre da própria índole do Poder Legislativo com a criação de comissões especificas para exame e votação do orçamento e acompanhamento da execução orçamentária e a atuação dos Tribunais de Contas enquanto parte integrante do Poder Legislativo.
Nesse contexto os Tribunais de Contas iniciaram suas atividades a partir de controle prévio de praticamente todos os atos dos administradores. O orçamento, uma vez votado e aprovado apresentava as despesas separadas em dois grandes blocos: (a) os créditos distribuídos ou seja aqueles que o administrador estava autorizado a utilizar sem consulta ao Tribunal de Contas e os (b) créditos “em ser” que indicavam as dotações orçamentárias cujo comprometimento só poderia ser efetuado após o exame e autorização do respectivo Tribunal.
Na primeira categoria estavam as despesas de pessoal, juros da divida etc. e na segunda todas as despesas de serviços de terceiros e investimentos.
Em precioso trabalho Bruno Speck [1] esclarece que entre as suas características o controle prévio do Tribunal de Contas tinha “a função de registrar previamente as ordenações de despesa dos administradores, para que elas se tornassem efetivas”.
Na origem do pensamento e da cultura do Tribunal de Contas está a defesa veemente do controle prévio desde a Exposição de Motivos de 1890 em que Ruy Barbosa expressa a seguinte opinião:
“Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância, ou a prevaricação, para as punir. Circunscrita a estes limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia ou impotente”.
Com a reforma administrativa implantada a partir de 1967 foi abolido o sistema de registro prévio das despesas e introduzida uma nova modalidade de controle através de fiscalizações e auditoria além de um sistema de controle interno, desvinculado tanto da administração como do Tribunal de Contas. (Speck, 2.000).
Qualquer análise feita sobre a atuação dos órgãos de controle interno mostrará a precariedade de sua implantação principalmente no que se refere à independência (refiro-me à independência profissional) e à precariedade de sua estrutura além de uma atuação voltada para o cumprimento de diligencias e recomendações ora efetuadas pelo Tribunal de Contas, ora pelo próprio Poder Legislativo. Em decorrência os órgãos de Controle Externo continuaram a realizar atos como: o registro de admissões e aposentadoria de funcionários, o exame prévio dos editais de licitação e o registro da declaração de bens. Tais atos constituem a função denominada de “quase administração” e que pode ser entendida como uma forma de cooperação não hierárquica cujo objetivo é o aperfeiçoamento do ato administrativo.
Talvez o que seja necessário é melhorar o entendimento do que seja controle, pois a noção de controle é um conceito complexo que, mesmo do ponto de vista etimológico, não assume um significado unívoco podendo ter vários conteúdos, mas estes podem assumir contornos instrumentais relativamente ao conceito principal e, igualmente, contornos jurídicos.
Em termos jurídicos a experiência mostra a necessidade de uma rigorosa precisão, pois a pluralidade de significados que assume, mesmo em diferentes ramos do Direito, obriga a uma rigorosa delimitação conceitual para evitar conflitos como no caso da interrupção das obras do PAC com indícios de irregularidade. Mesmo no âmbito parlamentar, a noção de controle assume contornos diversos e tem modalidades variadas, podendo abarcar uma atividade de mera verificação e confronto com padrões de conformidade, uma emissão de juízos críticos sobre essa atividade ou ainda, entre outras faculdades, abarcar a de autorizar, impedir, substituir e revogar.
Toda a fiscalização visa contrariar a prática de atos desconformes ou irregulares, pressionando para que as diferentes estruturas e sujeitos passivos de uma relação de controle atuem de acordo com o entendimento implícito ou explicito do conteúdo e dos desejos dos Constituintes e legisladores, sempre com o propósito de atender ao interesse público.
Sem dúvida a administração pública brasileira é constituída como uma estrutura multi -organizacional, com vários centros de preparação, decisão e execução e com uma atividade tanto de gestão pública como de gestão privada (estatais). Isto exige um controle efetivo, também parlamentar e democrático, com vistas a dar aos particulares a garantia das boas ações do governo, mas sempre consciente de que tais regras e parâmetros estão longe de ser precisos e pacíficos.
Conseqüentemente, as fronteiras são difíceis de estabelecer, tendo em vista igualmente a amplitude do elemento literal do normativo constante do disposto nos artigos 70 e 74 da Constituição Federal e, principalmente, nos §§ 1° e 2° do artigo 71, a seguir transcrito:
§ 1° – No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2° – Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
A leitura do texto constitucional leva este blog à dúvida sobre se “entre as medidas previstas” a serem adotadas pela Corte de Contas estaria a de sustar o andamento de obras irregulares no caso da omissão por parte do Legislativo ou do Executivo.
Nessas discussões sobre o papel dos órgãos de Controle Externo fica a impressão da necessidade de re-leitura da lição de Antonio de Sousa Franco [2] a propósito do conceito da palavra controle pois para ele, “só é útil o controle que permite a ação corretiva (…..)” e deve, segundo o mesmo autor, preocupar-se mais com as situações de “ (….) desvio e exceção do que com as atividades normais (….).
[1] SPECK, Bruno Wilheim. Inovação e rotina no Tribunal de Contas da União: o papel da instituição superior de controle financeiro no sistema político-administrativo do Brasil. S.Paulo: Fundação Konrad Adenauer, outubro 2.000.
[2] FRANCO, Antonio de Sousa. O controlo da Administração Pública em Portugal, RTC, Lisboa, Tomo I, 19/20, julho-dezembro 1993, pág. 119.
0 comentários:
Postar um comentário