Pacote tributário: a inquisição do século 21
Na última semana, o Plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil recebeu a visita do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luiz Inácio Lucena Adams. Ele fez explanações aos conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil acerca das nuances que envolvem o pacote tributário proposto pelo governo federal, composto por quatro projetos de lei e batizado de Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo.
Assim é que, não obstante a singela justificativa de que o "o sistema de cobrança judicial tem se caracterizado por ser moroso, caro, extremamente formalista e pouco eficiente" no entender do ministro da Fazenda, como não poderia ser diferente, os conselheiros reagiram de forma contundente contra várias das proposições, haja vista terem identificado nos projetos, que começarão a ser discutidos na Câmara dos Deputados, inúmeras e assombrosas violações à Constituição Federal.
Aprovadas as mudanças propostas no PLC nº 5080/2009, estão autorizados "atos de constrição preparatória e provisória" que "serão praticados pela Fazenda Pública credora". Ou seja, concede-se poder de polícia aos fiscais fazendários, autorizando-os a proceder à penhora administrativa, independentemente da autorização judicial, invadindo a competência do Poder Judiciário, constitucionalmente prevista, inclusive com a possibilidade de arrombamento, em patente desrespeito ao inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê que a "a casa é asilo inviolável".
Na sequência, visando facilitar a penhora, mas em perfeito descaso às garantias constitucionais de inviolabilidade da intimidade, da vida privada e o sigilo de dados, o PLC 5080/2009 prevê a criação do SNIPC, Sistema Nacional de Informações Patrimonial dos Contribuintes, através do qual será facilitado o "acesso eletrônico às bases de informação patrimonial dos contribuintes", no que se incluem dados sobre o patrimônio, rendimentos, endereços, com a obrigatoriedade de órgãos e entidades públicos e privados, que "operem cadastros, registros e controle de operações de bens e direitos", disponibilizarem para o SNIPC as informações administradas.
A responsabilidade subsidiária pela dívida ativa em cobrança é estendida administrativamente a quem "dolosamente" "omitir, retardar ou prestar falsamente as informações" sobre a localização do devedor e seu patrimônio, valendo ressalvar que o análise do dolo ficará a cargo da própria Fazenda, que atuará como parte e como "juiz da causa".
Ainda no capítulo das Disposições Finais, encontramos que nos processos de liquidação e inventário arrolamento, nenhuma alienação será judicialmente autorizada sem a audiência das Fazendas Públicas e que o liquidante, inventariante e o administrador responderão solidariamente pela dívida se alienarem ou derem em garantia quaisquer bens, sem garantir os créditos tributários. Além disso, o PLC prevê a vedação de distribuição de bonificações aos acionistas ou a distribuição de lucros, dividendos, bonificações ou juros sobre capital próprio, enquanto estiver a sociedade com débito inscrito em Dívida Ativa, prevendo multa pecuniária e caracterização do ato como atentatório à Justiça.
No que tange ao PLC nº 469/09, em que se propõem mudanças no Código Tributário Nacional, extraímos que a inclusão dos administradores e gestores de empresas como responsáveis solidários pelos débitos tributários, haja vista que é dever "representantes de pessoas físicas e aos diretores, gerentes ou representantes, ainda que de fato, de pessoas jurídicas, no que se incluem atuar de forma cuidadosa e diligente no "cumprimento das obrigações tributárias das entidades que representam no sentido de fazer todo o necessário para o cumprimento das obrigações tributárias, inclusive privilegiar o pagamento de tributos em detrimento de outras despesas ou débitos. Obviamente que o ônus de demonstrar o cuidado e a diligência que a lei incumbe é do réu.
As proposições do pacote tributário não só sedimentam a desigualdade entre Fazenda Pública e contribuinte, como ferem o devido processo legal e o direito ao contraditório e à ampla defesa, invadem a competência do Poder Judiciário e instalam profunda insegurança social e jurídica, o que é inadmissível no regime democrático de direito em que vivemos.
Por fim, a exemplo do Conselho Federal da OAB, esperamos que os deputados e senadores mineiros fiquem alertas e não permitam que tamanha violência, que nos faz lembrar, com repúdio, da ensandecida e sádica Santa Inquisição, atuante na Idade Média, se concretize nos dias de hoje.
Conselheiro federal da Ordem dos advogados do Brasil (OAB)
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