por Xavier Sabadell e Luis Reis
Valor Econômico, 23/06/2009
Nos últimos doze meses tivemos a oportunidade de discutir com mais de 200 empresas, multinacionais, nacionais e dos mais variados segmentos de negócios, os caminhos percorridos para atender aos requisitos exigidos pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), composto pela nota fiscal eletrônica, pela escrituração fiscal digital e pela escrituração contábil digital. Nessa experiência muito rica, do ponto de vista de aprendizado das preocupações das organizações sobre o tema, pudemos depreender, em primeira instância, que o mercado, de forma geral, estava bastante confuso em relação à profundidade das mudanças e impactos em seus negócios que o novo marco regulatório do Sped trará. Em linhas gerais, de cada três empresas contatadas, duas entendiam tratar-se de um tema puramente ligado à tecnologia da informação, e que a simples implementação de algum módulo sistêmico resolveria a questão.
Independentemente desse entendimento preliminar, observamos que as empresas encararam esse desafio, e muito foi feito para garantir a implementação dos requisitos técnicos demandados pelo Sped dentro dos prazos definidos no cronograma do fisco. Na dimensão de tecnologia da informação, na qual se verificaram os maiores esforços, foram implementados novos sistemas fiscais, customizados novos campos e criadas novas interfaces, entre outras realizações ligadas à infraestrutura tecnológica. Em relação à dimensão de processos e, em especial, cadastro de fornecedores, produtos e clientes, as mudanças foram menos abrangentes e focadas no direto atendimento aos novos campos e layouts de informação fiscal e contábil requeridos pelo fisco.
Entre as muitas novidades, incertezas e várias interpretações sobre o tema, os anos de 2008 e princípio de 2009 se destacaram, principalmente, pelo amadurecimento do mercado em relação ao Sped e pela mobilização efetiva para sua solução. Ou seja, cerca de dois terços das empresas obrigadas a atender ao Sped, nesse primeiro ciclo, fizeram, de alguma forma, seu dever de casa, superando esse primeiro desafio. Por outro lado, restam ainda cerca de 30% de empresas para se adequar.
Esse primeiro ciclo de adaptação ao Sped se consolidará no mês de setembro, quando serão transmitidos pela primeira vez os arquivos do Sped fiscal referentes aos meses de janeiro a agosto deste ano. A prorrogação do prazo de entrega do Sped fiscal para setembro de 2009 comprova que, de fato, as empresas estão enfrentando dificuldades em se adequar a essa nova realidade. De qualquer forma, a partir de setembro de 2009, quando o Sped fiscal estiver em vigor, muitas informações jamais divulgadas sobre as operações das empresas estarão ao alcance do ponto de vista analítico do fisco.
É interessante notar que, após um ano de muito trabalho e aprendizado, começam a aflorar pensamentos e reflexões sobre os desafios que ainda estão por vir pós-implementação do Sped. De fato, a introdução do novo padrão no mundo corporativo representará uma mudança radical no paradigma da fiscalização e transformará o relacionamento do fisco com as organizações. Doravante, vamos viver um modelo muito mais eficaz, com acesso a um volume muitas vezes maior de dados operacionais e fiscais, on-line e de forma permanente, permitindo múltiplos cruzamentos de informação para verificar a adequação dos procedimentos fiscais, contábeis e de recolhimento de impostos. Assim, esse novo modelo de fiscalização, viabilizado pela introdução do Sped, trará às organizações um nível de exposição muito maior que o atual, principalmente em um cenário, já comprovado, de queda de arrecadação tributária em consequência da crise econômica mundial, também já refletida no Brasil com a queda da atividade econômica.
A qualidade da informação transacional passará a ser o principal risco a ser mitigado. As empresas, para assegurar a qualidade dos dados que serão enviados ao fisco, necessariamente deverão visitar sua operação e realizar mudanças significativas em sua cultura, sistemas, estrutura organizacional, processos e procedimentos e capacitação de seus profissionais. Assim, poderão reduzir sua exposição fiscal e, consequentemente, eliminar eventuais perdas financeiras advindas de autuações aplicadas pelo fisco ou da adoção de procedimentos tributários e contábeis inadequados. Além de provocar a necessidade de mudanças em toda a cadeia de valor das empresas e nos processos de apuração fiscal, as organizações deverão também atentar para a correta integração com a cadeia de valor de seus principais clientes e fornecedores, no sentido de assegurar o "compliance fiscal" desde a origem da informação, principalmente em razão da nota fiscal eletrônica.
Fica claro que esse novo padrão da fiscalização digital demandará mudanças mais profundas e complexas para endereçar os antigos problemas estruturais existentes na gestão tributária das empresas, que até o momento nunca haviam sido tratadas na origem de suas causas. Na verdade, essa reflexão nos leva, firmemente, a compreender o Sped como uma grande oportunidade para o desenvolvimento de novos modelos de gestão tributários sustentáveis e que possam tornar a área tributária das empresas em um centro de resultados, e não mais em um mero centro de despesas. Afinal, gerir corretamente a elevada carga tributária de uma companhia é um investimento que faz todo o sentido do ponto de vista competitivo.
Valor Econômico, 23/06/2009
Nos últimos doze meses tivemos a oportunidade de discutir com mais de 200 empresas, multinacionais, nacionais e dos mais variados segmentos de negócios, os caminhos percorridos para atender aos requisitos exigidos pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), composto pela nota fiscal eletrônica, pela escrituração fiscal digital e pela escrituração contábil digital. Nessa experiência muito rica, do ponto de vista de aprendizado das preocupações das organizações sobre o tema, pudemos depreender, em primeira instância, que o mercado, de forma geral, estava bastante confuso em relação à profundidade das mudanças e impactos em seus negócios que o novo marco regulatório do Sped trará. Em linhas gerais, de cada três empresas contatadas, duas entendiam tratar-se de um tema puramente ligado à tecnologia da informação, e que a simples implementação de algum módulo sistêmico resolveria a questão.
Independentemente desse entendimento preliminar, observamos que as empresas encararam esse desafio, e muito foi feito para garantir a implementação dos requisitos técnicos demandados pelo Sped dentro dos prazos definidos no cronograma do fisco. Na dimensão de tecnologia da informação, na qual se verificaram os maiores esforços, foram implementados novos sistemas fiscais, customizados novos campos e criadas novas interfaces, entre outras realizações ligadas à infraestrutura tecnológica. Em relação à dimensão de processos e, em especial, cadastro de fornecedores, produtos e clientes, as mudanças foram menos abrangentes e focadas no direto atendimento aos novos campos e layouts de informação fiscal e contábil requeridos pelo fisco.
Entre as muitas novidades, incertezas e várias interpretações sobre o tema, os anos de 2008 e princípio de 2009 se destacaram, principalmente, pelo amadurecimento do mercado em relação ao Sped e pela mobilização efetiva para sua solução. Ou seja, cerca de dois terços das empresas obrigadas a atender ao Sped, nesse primeiro ciclo, fizeram, de alguma forma, seu dever de casa, superando esse primeiro desafio. Por outro lado, restam ainda cerca de 30% de empresas para se adequar.
Esse primeiro ciclo de adaptação ao Sped se consolidará no mês de setembro, quando serão transmitidos pela primeira vez os arquivos do Sped fiscal referentes aos meses de janeiro a agosto deste ano. A prorrogação do prazo de entrega do Sped fiscal para setembro de 2009 comprova que, de fato, as empresas estão enfrentando dificuldades em se adequar a essa nova realidade. De qualquer forma, a partir de setembro de 2009, quando o Sped fiscal estiver em vigor, muitas informações jamais divulgadas sobre as operações das empresas estarão ao alcance do ponto de vista analítico do fisco.
É interessante notar que, após um ano de muito trabalho e aprendizado, começam a aflorar pensamentos e reflexões sobre os desafios que ainda estão por vir pós-implementação do Sped. De fato, a introdução do novo padrão no mundo corporativo representará uma mudança radical no paradigma da fiscalização e transformará o relacionamento do fisco com as organizações. Doravante, vamos viver um modelo muito mais eficaz, com acesso a um volume muitas vezes maior de dados operacionais e fiscais, on-line e de forma permanente, permitindo múltiplos cruzamentos de informação para verificar a adequação dos procedimentos fiscais, contábeis e de recolhimento de impostos. Assim, esse novo modelo de fiscalização, viabilizado pela introdução do Sped, trará às organizações um nível de exposição muito maior que o atual, principalmente em um cenário, já comprovado, de queda de arrecadação tributária em consequência da crise econômica mundial, também já refletida no Brasil com a queda da atividade econômica.
A qualidade da informação transacional passará a ser o principal risco a ser mitigado. As empresas, para assegurar a qualidade dos dados que serão enviados ao fisco, necessariamente deverão visitar sua operação e realizar mudanças significativas em sua cultura, sistemas, estrutura organizacional, processos e procedimentos e capacitação de seus profissionais. Assim, poderão reduzir sua exposição fiscal e, consequentemente, eliminar eventuais perdas financeiras advindas de autuações aplicadas pelo fisco ou da adoção de procedimentos tributários e contábeis inadequados. Além de provocar a necessidade de mudanças em toda a cadeia de valor das empresas e nos processos de apuração fiscal, as organizações deverão também atentar para a correta integração com a cadeia de valor de seus principais clientes e fornecedores, no sentido de assegurar o "compliance fiscal" desde a origem da informação, principalmente em razão da nota fiscal eletrônica.
Fica claro que esse novo padrão da fiscalização digital demandará mudanças mais profundas e complexas para endereçar os antigos problemas estruturais existentes na gestão tributária das empresas, que até o momento nunca haviam sido tratadas na origem de suas causas. Na verdade, essa reflexão nos leva, firmemente, a compreender o Sped como uma grande oportunidade para o desenvolvimento de novos modelos de gestão tributários sustentáveis e que possam tornar a área tributária das empresas em um centro de resultados, e não mais em um mero centro de despesas. Afinal, gerir corretamente a elevada carga tributária de uma companhia é um investimento que faz todo o sentido do ponto de vista competitivo.
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Xavier Sabadell e Luis Reis são sócios da PricewaterhouseCoopers Brasil e, respectivamente, especialistas em gestão de processos e na área tributária
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor Econômico, via FENACON PressClipping
Xavier Sabadell e Luis Reis são sócios da PricewaterhouseCoopers Brasil e, respectivamente, especialistas em gestão de processos e na área tributária
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