sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ainda sobre a convergência

A Lei 6.404/1976 determina em seu art.177, §3º que as demonstrações financeiras [contábeis] das companhias abertas observarão também as normas expedidas pela CVM. Dentre as alterações introduzidas pela Lei 11.638/2007, consta uma determinando que estas normas expedidas pela CVM deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários (art. 177, §5º).

A mesma Lei 11.638/2007, em seu artigo 3º, entende às chamadas empresas de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedade por ações, as disposições da Lei 6.6404/1976, sobre a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras [contábeis].

Desde sua edição a Lei 11.638/2007 tem sido o alvo de vários debates no meio contábil em virtude da chamada convergência à normas internacionais de contabilidade (
Divergência na Convergência , Convergência Conturbada e Convergência Conturbada 2).

No Brasil, a CVM optou por seguir as normas expedidas pelo IASB (International Accounting Standards Board), entidade sediada em Londres. Até então, as normas expedidas pelo Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira dos Estados Unidos (Financial Accounting Standards Board, FASB), davam o tom das normas brasileiras expedidas pela CVM, com ligeiras adaptações, o que podia ser verificado inclusive em vários livros de contabilidade editados na terra brasilis. As normas da CVM correspondem às traduções efetuadas pelo CPC das normas do IASB.

Qual padrão internacional seguir, já que a convergência é uma determinação legal?

Os Estados Unidos detém a principal Bolsa de Valores do mundo, e até então não se definiu quanto a convergência às normas do IASB, e na Europa surgem constantemente notícias de não concordância com certas normas do IASB. O IASB por sua vez vem recebendo críticas da imprensa especializada (não brasileira!) quanto ao seu aspecto mais político do que técnico.

Nesta semana o Jornal Valor Econômico publicou duas matérias do Financial Times que colocam em xeque a hegemonia do IASB em ditar normas internacionais de contabilidade, justamente pela resistência americana em seguir os seus padrões (vide links ao final).

Atualmente, segundo o próprio IASB, cerca de 110 países adotam seus padrões, mas de acordo com o Financial Times, esta convergência de normas globais fica mais distante.

Este alerta do Valor Econômico já vínhamos fazendo neste Blog, pois acompanhando outras mídias especializadas nos
Estados Unidos e Europa, além dos artigos do Prof. Lopes Sá, percebíamos que chegaríamos a este impasse.

Resta agora ao Brasil, especificamente a CVM, se posicionar. Qual regra seguirá? A do IASB, adotada em "muitos" países ou seguir as regras do FASB, do principal mercado de valores?

Ficamos estarrecidos nestes últimos dias também com o
pronunciamento de uma alta autoridade no meio profissional contábil, quando declarou que "além de tornar a saúde financeira da companhia mais transparente, o padrão contábil internacional a ser adotado no Brasil a partir deste ano, o IFRS, poderá reduzir a taxa de “mortalidade” dos pequenos e médios empreendimentos".

O que leva a empresa a mortalidade não são padrões contábeis e sim problemas de gestão. E dizer que os problemas de gestão são “proveniente da falta de qualidade das informações contábeis geradas” é no mínimo exagerado. As pequenas e médias empresas não realizam operações complexas que demandam critérios contábeis de mensuração igualmente complexos. Além disto, conforme matéria do Financial Times, “de uma perspectiva mais ampla, o drama parece cômico, dado que os padrões contábeis raramente influenciam o dia a dia das empresas”.

Por outro lado, o acesso ao mercado de crédito para estas pequenas e médias empresas não será afetado pela adoção ou não de "normas internacionais" de contabilidade. Podemos destacar dois aspectos:

a) A adoção de normas internacionais de contabilidade por estas empresas depende da existência de LEI que assim determine. Esta Lei não existe, ao contrário das sociedades anônimas e empresas de grande porte, que em razão da alteração da Lei 6.404/76 devem seguir normas internacionais (vide
IFRS Brasil: Pequenas e Médias);

b) Condicionar a liberação de crédito, ou minimizar as taxas de juros, para as pequenas ou média empresa que tenham adotado alguma norma internacional de contabilidade, implicaria em que as respectivas demonstrações contábeis precisariam ser auditadas por auditores independentes, para atestar tal aplicação, o que por si só oneraria bastante o acesso ao crédito. Uma questão de custo x benefício que deverá ser levado em conta.

Veja as matérias do Financial Times publicadas pelo Valor Econômico:
Um pena que no Brasil o tema “convergência” virou tabu. Um medo paira no ar, poucos ousam questionar a convergência. Por que será? (vide Contabilidade e Política).
(AAS)

1 comentários:

César Tibúrcio disse...

Alexandre,

Parece que escolhemos o momento errado para convergência. Pelo visto, se o Brasil optasse agora pela convergência poderia obter mais do que dois cargos no Iasb.

César